Ideias para trabalhar com crianças [muito] pequenas

por Fabio dos Santos

Na jornada de um novo Professor Suzuki, se escuta com frequência como é importante começar o trabalho com as crianças quando elas estão bem pequenas. Observamos vídeos durante os cursos e vemos crianças engajadas e atentas ao trabalho na frente de seu professor, que demonstra total controle da aula. Na superfície, parece fácil lidar com um ser humano desse tamanho.

Parece fácil, mas a realidade é que essa tarefa é muito desafiadora. Não existe conselho que possa realmente ajudar um professor a se preparar para sua primeira experiência de estar numa aula de instrumento com uma criança muito pequena, entre 3 e 5 anos. Certamente, na primeira vez em que estiver nessa posição, todo seu treinamento sumirá como num passe de mágica. Todas as anotações guardadas e conselhos recebidos serão esquecidos nos primeiros momentos.

Uma forma de se preparar para iniciar crianças menores é começar com alunos um pouco maiores, 7 ou 8 anos, e gradualmente aceitar alunos menores. Ter essa experiência é essencial se você não tem filhos e nunca conviveu com uma criança dessa idade! Inclusive para quem já passou pela experiência da maternidade / paternidade, é importante lembrar que cada criança é única e, por isso, os desafios são tão variados quanto as crianças! Com isso em mente, seguem alguns conselhos para auxiliar naquele segundo momento, quando você estiver se perguntando: e agora, o que vou fazer?


Vá com calma. Não é necessário ter pressa. Você tem tempo. As crianças também!
A criança é pequena. Sua forma de falar tem que se adequar à idade da criança e ao universo dela. Fale de forma simples, respeitando a inteligência desse lindo ser — use palavras curtas, seja direto, evite a ironia e use verbos que indiquem ações concretas. Fique longe de conceitos. (e.x. Não diga “concentrar”. Use “ficar na frente do professor”.) As explicações são para os cuidadores e também devem ser práticas e curtas.
Não é necessário ter muitas atividades. “Menos é mais”. Simples é melhor. Treine o básico do básico. Não espere que a criança faça muitas vezes. Esteja pronto para mudar de direção. Essa mudança é uma forma de considerar o que é de interesse da criança. Não há nada de errado em mudar de direção.
Crie uma rotina. De preferência, siga a mesma sequência. A rotina é uma forma de estrutura que se torna previsível para a criança. Se estiver muito fácil, faça o mesmo, com algo a mais, sempre pensando em objetivos de longo prazo. (Por exemplo, que a criança saiba ficar parada na frente do professor). Quando a criança estiver pronta, ela dará sinais não-verbais de que está fácil. Nesse momento você poderá introduzir uma nova atividade ou uma alteração. Essa nova atividade deve ter algo que a criança já domina, incluir a prática de algo que ela já sabe, mas que possibilite um algo a mais. (E.x. contar até 10 parado sem instrumento. Então contar até 10 parado com o instrumento na posição de descanso. Então contar até 10 (parado) e cumprimentar.)
Nas primeiras aulas, inicie as atividades com os cuidadores primeiro, fazendo as atividades que fará com a criança! Existem vários motivos pelo qual isso é necessário. Em primeiro lugar, vai indicar que as aulas de música são uma atividade da família e que eles são uma equipe! Para as crianças, será uma oportunidade para ver os cuidadores fazendo – o que ajudará a elas entenderem o que farão também. Se as atividades estiverem prazerosas, a criança vai precisar apenas de um convite para se juntar – e se não quiser se juntar, não há problema! Em pouco tempo a criança estará exigindo começar primeiro! Iniciar nessa ordem também é importante porque oferece uma oportunidade dos cuidadores experimentarem o que farão em casa. Essa também é uma oportunidade para que eles sanem as dúvidas que tem!
ENSINE AOS CUIDADORES. Na dúvida, a criança não quer fazer, cansou? Não negocie com ela. Termine a parte da criança e trabalhe com os cuidadores! A aula da criança pode durar 3 minutos — ou menos! — e não há problema nisso! A aula dos cuidadores durará o restante do tempo. Diga, por exemplo: “Acabou a parte de fulano, e agora vou trabalhar com a mamãe” — em tom claro, sem exaltação ou qualquer sentimento mais forte. Aproveite esse momento para orientar e praticar com eles. Ofereça instruções sobre as atividades, as expectativas, a realização da prática, a Metodologia Suzuki, a música, seu instrumento, etc. Experimente com o cuidador as alternativas de como praticar com a criança em casa. Além disso, praticar com os cuidadores é uma oportunidade para as crianças observarem o que se espera delas.
Não existe nada mais poderoso que o exemplo. Explique o necessário — para os cuidadores — e demonstre várias vezes para ambos, cuidadores e crianças. Também é muito efetivo que as crianças vejam aulas de outras crianças: se for possível, agende para a família ver a aula de alguma criança de idade similar e que faz a aula como você espera. Assim eles poderão experimentar “como uma criança faz uma aula de instrumento”.
Escolha com cuidado as opções que você oferece para a criança. Se a criança escolheu, já está escolhido. Se você deu opções, não se deve voltar atrás. (E.x. Se terminou a aula da criança, não há como voltar atrás. Se combinou 3 vezes, tente lembrar de fazer 3 vezes. Se prometeu algo, cumpra.) Se você mudar as opções que você mesmo deu, depois que a criança já escolheu, suas instruções deixam de ser instruções, Elas viram ordens e geram confusão. Isso não é construtivo para a aula. POR EXEMPLO: “Você quer tocar mais uma vez?”. (Possíveis respostas, SIM / NÃO). Alternativa melhor: “Você prefere repetir 2 ou 3 vezes?”
Um dos aspectos mais importantes observados pelo Dr. Suzuki é que as crianças iniciam seu aprendizado da língua materna por que estão submersas num ambiente dominado pela língua. Esse aprendizado, na primeira infância, não é realizado com o mesmo tipo de esforço, tal como esperamos de um adulto — e.x. completar exercícios, organizar o estudo, concentrar e enfocar, etc.. Elas ouvem, as vezes sem escutar, e se esforçam por interagir porque, entre muitas coisas, tem vontade de participar no mundo que as cerca e expressar suas necessidades. Isso é especialmente importante nesse início: nesses primeiros anos (entre 3 e 5), você deve administrar a expectativa dos cuidadores de que as crianças “façam esforço para aprender”. Quem fará esforço são os cuidadores, para criar o ambiente que a criança vai absorver e ter vontade de participar; O ambiente da aula é uma âncora, onde primeiro vamos ensinar as crianças o prazer da música, o ritual que é estar em aula e mostrar os primeiros passos que elas darão e que será estendido para casa. A responsabilidade de orientar os cuidadores e de criar o ambiente da sala de aula e em casa é do professor.
Aprenda e domine a aula de 1 milhão de dólares. Professores e cuidadores têm que saber e estar confortáveis com esse momento, quando a criança testa os limites da autoridade e do espaço. Você VAI aplicar essa aula. Não esqueça de explicar para os cuidadores — sem as crianças — antes de precisar dela. Você poderá encontrar informações sobre a Aula de 1 milhão de dólares no livro “Teaching from the Balance Point” de Edward Kreitman.
Repetição é um tema muito importante. Em primeiro lugar, lembre-se de que existem muitas formas de repetir, sem dizer que se está repetindo. Aprenda todas que você puder. (E.x. Vamos contar até 10 em outra língua?; Mamãe está treinando contagem! Será que ela pode nos ajudar contando quantas vezes vamos repetir?; Oops, eu errei! Vamos fazer de novo pra eu acertar minha parte?) Em segundo lugar, é essencial lembrar que a repetição é um tema recorrente em toda a vida de uma criança. Cuidadores precisam experimentar o poder da repetição em todas as suas formas e em todos os aspectos da sua aula — na escuta, na realização de exercícios, na sequência da aula, na rotina em casa, no encontro com outras famílias todas as semanas, etc.. Queremos que a criança repita como algo que é natural e necessário, sem julgamento sobre a pratica de repetir. Assim, você não precisará explicar que a repetição é a chave da consolidação e progresso da técnica e do conhecimento em qualquer instrumento, entendimento que se consolidará com a continuidade dos estudos.
Compartilhe uma visão das etapas e do desenvolvimento da criança com os cuidadores. Isso é uma forma de administrar as expectativas, a ansiedade e dar sinais objetivos que servem para saber como a criança está progredindo. Responda perguntas como: o que você está trabalhando com uma atividade?; Quanto tempo em geral se leva para alcançar a habilidade que você está trabalhando?; O que é necessário fazer em casa?; etc. A ausência dessa informação deixará os cuidadores com dúvidas. Saná-las contribui em muito para que ambos, cuidadores e professor caminhem com objetivos e expectativas alinhados, o que contribui para uma experiência mais coerente de aprendizado.

Por fim, lembre-se! Falamos apenas das primeiras etapas com crianças MUITO pequenas. A instrução, as expectativas, o nível de concentração, o tipo de repetição, a forma de oferecer instruções, o repertório, a linguagem utilizada, entre muitas outras coisas, tudo isso e mais, mudarão na medida em que seu aluno cresce! Desfrute de cada momento e comemore cada conquista. Esse momento é único, e você só poderá vivenciá-lo uma única vez!